sábado, 24 de outubro de 2009

A Distância

Ricardo Salles


Não posso ver, só posso sentir.
Tenho medo de encontrar, porém, desejo te seguir.
Tenho necessidade de ter-te, constante dúvida em buscar-te.
Por isso, observo em silêncio teu passo apressado a se distanciar.

Ela se foi como o tempo se vai com as horas, como os dias se vão com as lembranças.
Perdemo-nos à procura do encontro, na dúvida em acreditar.
Estranho perceber: das certezas nada fica, quando tudo desabar.
Teus dias viram noite, já não consegue mais sonhar.
Afinal, ninguém explica o que explicado está.
Só resta a distância e um olhar sorrindo...

Que vontade eu tenho de ir por aí...
Andar sereno, sem lembrar de ti.
A estrada que tudo leva, não me deixa olhar pra traz.
Pra não lembrar que um dia fui você, tive você em mim.

Letras nem sempre conjugam palavras,
Nessa vida sem rimas, de tristezas justificadas.
Mesmo sem tê-la, eu sei que em algum lugar tu estás.



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sábado, 17 de outubro de 2009

O Olhar Vendado..

Dr Cardoso.

Ora, era uma intrigante cidade aquela. 13 horas, tarde quente na rua General Euclides Terrão (generais sempre viram rua depois da morte, invertendo assim o ciclo de quem é pisado).
Na calçada, ali, sem muita descrição, estava Hugo Marques, o cego, quase louco, sempre zombado. Todos diziam quem não tinha serventia. Ele não via, ele não trabalhava, não comprava, de vez em quando comia. Pra que estar no mundo? A vida do velho era sempre zombaria..
Fazia algum tempo que ele não andava feliz, precisava desabafar, tinha cansado de ouvir choramingos das pessoas, pessoas adoram choramingar...
Pensava consigo:

“A formiga carrega as folhas, o formigueiro a estação. O céu e suas estrelas, o brilho risonho da constelação. Passos, marchas, movimento, luta, ideal, falácias, discussão. Onde estão nossos espaços, maldita maioria democrática do circo e pão.”

Parou, perguntando-se se era mesmo, de fato, um louco..
Resistiu, continuou pensando no passo correto da multidão:

“Normais vocês? Ludibriados, bobos, carregados com a ingenuidade da sua razão. Seus teoremas, estatísticas, modelos econômicos e projeções, riscam o passado, esquecem o presente, e seguem a antiga nova moda de rezar ajoelhados, implorando o amanhã."

Ninguém Compreendia aquele olhar curioso carregado de dúvida do velho, escondia ele alguma coisa mais além. As vezes dava medo, devia ir preso, sempre sugeria alguém..

Ele sorria e continuava na filosofia solitária.

“Ninguém vive por acaso, se preso estiver, só o corpo estará, as idéias são livres, nunca jamais serão trancafiadas. Pensou porém, nesse país nem sempre presos vão os verdadeiros culpados, em nome da história, do sobrenome, do passado, família, poder, domínio manipulado, caráter jogado no esgoto, vergonha cabe somente ao tolo, pobre desesperado, que teme, se bora, da policia, do governo, do Estado.”


Ele acabou abatido, não pela polícia, por pedras ou palavrão. Terminou sozinho no meio daquela confusão, sofrendo solitário, doendo por dentro, pagando caro até pela indiferença da multidão.
Somente uma coisa lhe deixava alegre, era cego, mas não tinha o olhar vendado..

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