quinta-feira, 1 de julho de 2010

Estórias da Memória..

“só levo a saudade é tudo que vale a pena!”
Marcelo Camelo.

Há alguns dias encontrei-me com velhos amigos. Todos empolgados com a alegria do encontro. Como a lembrar cenas de um filme, via imagens dos momentos que passamos juntos, sem noção de tempo, realizando as mais incríveis façanhas, na pequena cidade do interior.
Entre as imagens, algumas falavam de promessas esquecidas. Fato é que todos sorriam, apontando linhas que o tempo desenhara nas faces, agora barbudas; nas mãos, algumas sinalizadas por uma aliança e até mesmo nos pés, que já não tocavam o chão refrescante.
Incrível! Tocado pelas minhas memórias, sentia-me como se estivesse lá, vivendo minuto a minuto... Eles carregavam um pedacinho de mim e eu deles. Da bela combinação de sentimentos e realidades que cruzavam tempos e espaços, nasceram meus amigos. Sim! Lá estavam eles: Ricardo Carvalho, o inconstante apaixonado e Eugênio Salles, o exímio estudante e observador, reunidos pelo desejo de saber tudo sobre todos, ou quase tudo.
Tão importante quanto as relações, eram nossas memórias, nossas estórias. Memórias, estórias, pessoas, identidades, diferenças, são peças de um mesmo jogo, cada qual com sua particularidade. Eu sou eles e eles são meus outros eus. Identidades múltiplas e que mudam com tempo, que afinam e dasafinam...
E assim, cenas de minha vida iam falando de emoções e de sentimentos vividos junto de meus amigos. Afinal, eles que faziam parte do meu passado de forma marcante, eram agora meu presente.
Viajando através do olhar, vi que o amigo Eugênio estava afoito, ele que pouco se importava, pois todos diziam que era louco, embora que isso não soava como ofensa, para aquele jovem franzino, que passava os dias a escrever cartas. Jovem solitário, meu amigo de infância nunca conseguiu se acostumar com sua monótona vida. Passava os dias com sua “indisciplinada” mania de escrever correspondências.
Eugênio criara seu próprio mundo, imaginando até mesmo endereços e destinatários para suas correspondências. Escrevia durante a noite, reservando a manhã para as postagens no correio, que ficava próximo de sua casa e, durante a tarde, dormia. As cartas, na medida que voltavam, iam se acumulando em sua porta, o que me deixou impressionado.
- Você não recolhe as cartas? Perguntei apreensivo.
- Não eram para mim. Respondeu ele.
Revirou toda sua casa procurando livros e citações, revendo fotos, assistindo filmes antigos e escutando canções de nossa época, desatualizadas, é claro. O que me deixava intrigado era o prazeroso sorriso ou as tristes lágrimas que exprimia quando nos mostrou uma antiga caixa, que trazia consigo.
Não ousei, em nenhum momento, interromper sua ocupação. Percebi apenas que louco ele não estava, talvez perturbado, mas continuava com o mesmo olhar firme e de objetivo que tanto marcava sua personalidade. Perguntei apenas para quem eram as cartas. Ele não respondeu, sugeriu que observasse o conteúdo da caixa que carregava com ele. Abri devagar, e logo percebi o por que de ter escrito em sua tampa “A FONTE”. Dentro da caixa estavam velhas memórias, fotos, muitas fotos. Quase todas não conhecia, lembrava apenas de alguns rostos. Interrompeu-me, dizendo:
- São lembranças, rostos que jamais esqueci, procure, vocês também estão aí dentro. Escrevo sem preocupação, desejando apenas ser fiel e honesto ao que sinto. Estou escrevendo minhas memórias. Não queria guarda-las num velho livro. Preferi enviá-las pelo mundo, dizendo do que vivi, sonhei, amei. Guardo cada dia como se fosse uma frase no diário. Lembro de cada momento apenas admirando imagens...
Lhe interrompi:
- Sabe o que todos dizem? Que você está ficando louco.
Ele respondeu apresado:
- Não sou louco, se realmente fosse, teria coragem de enviar a seus verdadeiros destinatários, explicando de meu sofrer, minha dor, meu desejo de viver novamente o que não consegui. Viver é um fingimento. São só lembranças.
Ricardo, em silêncio, parecia cansado, talvez inconformado, característica sempre presente de sua personalidade. Encontrava solução para tudo, mas as vezes fraquejava em algum pequeno detalhe, era mesmo um pouco confuso meu amigo. Perguntei de seu pai, era importante pra mim saber onde estava seu Adamastor, as vezes pensava nele e em toda sua sabedoria do sofrer.
Ricardo respondeu em versos:

Meu pai foi poeta das mãos calejadas.
Foi cantor de uma vida martelada
Intelectual de escola não letrada
Maestro da cultura relegada.

Estava ali um grande amigo, e um maior ainda poeta. Observa eles e percebia toda sua influência em minha pequena história. Sentia firme e presente sua importância em minhas memórias. Nossa grupo com subjetivos sujeitos. Era engraçado, nossas histórias, ou melhor, cada história relacionada como uma só. Mais importante do que viver pra ser lembrado é viver para que nossa ausência fosse sentida, que em cada um de nós estava um pedacinho do outro.

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