domingo, 21 de junho de 2009

A Chuva...

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EUGÊNIO SALLES:
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Como era difícil pra ela entender das coisas que aconteciam ao seu redor...
A vida terrena tão pouco se modificava e a vida suprema tão pouco lhe convencia...
Conheci ela no inverno de 1987, era jovem e bela, tinha o andar detalhado de quem sabia a estrada desejada e me deixou um olhar que talvez jamais encontrei em outro alguém.
Eu nada tinha a perder naquela tarde chuvosa, resolvi andar de chinelos e bermudas pra tirar das costas o peso de minha rotina e sentir na pele o vento frio que soprava. Quando percebi estava eu sentado em no banco da rua Odorico, próxima ao edifício onde morava. Pensava em tudo que me trazia até ali, e sobretudo no que ainda desejava buscar. Talvez por dentro me sentisse triste por achar que tinha deixado de lado grande parte de meus sonhos e planos da juventude, mas tinha a certeza de que de nada adiantava minhas queixas se elas irremediáveis ali seriam.
A chuva aumentava de intensidade conforme o passar dos minutos. Eu que sempre achei a dança da água magnífica, pouco me importava com o mundo ao meu redor. Foi então derepente, que do meu lado sentou-se uma moça de tamanho robusto, trajes negros e compridos com um gorro na cabeça. Estava toda encharcada com a água da chuva e não se importou muito com minha presença. Ficamos estáticos por algum tempo, sem dizer nada um ao outro, o silêncio foi nosso cumprimento. Pensava comigo que talvez devesse tomar a atitude de iniciar uma conversa ou ao menos lhe oferecer o guarda-chuva. Não foi necessário, ela se abraçou em meu corpo e disse que pensava em demasia na água, via nela a fortificação de uma tempestade e simplicidade de uma gota.
Eu não conseguia lhe ofertar nada em palavras, muito menos em atitudes, deixava a falar e me sentia feliz ao ver seu pleno prazer em se comunicar com um velho, sentado sozinho na rua deserta, numa tarde de quinta-feira.
Sem demoras me contou de toda sua vida e de todos seus amores, estudos e empregos, todas suas batalhas, decepções e covardias. Me falou de seus pais, e dos irmãos que a muito tempo não via, me disse de seus anseios e de tudo que lhe magoava.
Pensava em suas palavras e de como aquilo era importante para ela, e seria mais ainda para mim. Imaginei ser aquele o momento que a tanto tempo buscava dentro de meus sonhos, o momento de dizer de tudo que em mim trazia, e ali com ela compartilhar, talvez algum bem me faria...
Num estalo de coragem levantei meus olhos e fixo no olhar dela perguntei:
“...Que fazes você com seus sentimentos dizendo-os ao vento e na chuva, transformados em palavras e dirigidas a um velho?”
Ela sorriu, e me disse:
“...O segredo da chuva é pensar que quando ela passar tudo se renovará, tudo pode nascer novo e os sonhos dela brotar. Velho em seu olhar o senhor nada tem, deixe que com a chuva se vá todos seus problemas ou desdém, deixe que com a chuva se vá aquilo senhor, que a muito tempo não lhe faz bem... Tinha de lhe dizer das dores que carregava, daquilo que por dentro me magoava, das saudades que a muito tempo carregava, dos planos que a muito tempo não sonhava. Eu precisava na chuva, senhor, sair de alma lavada...”
Não tive tempo de dizer mais nada, ela se levantou e nem ao menos me disse adeus, me deixou um olhar que nunca mais encontrei, me deixou a lembrança que pelo resto de meus dias imaginei, me deixou um momento que jamais esquecerei...
(Noites mal-dormidas, Perfumes inconfundíveis)
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3 comentários:

Jean Matheo Piccini Lago disse...

Esse velho não é faca na bota.

Não saimos mais na chuva de chinelos e bermuda. Nos escondemos do vento frio. Não reparamos mais em nada. Estamos petrificados, gélidos, quase mortos! Ninguém mais senta ao nosso lado e lamenta as máguas da vida.
Somos refens de um crime!
Cometemos um crime!
Somos dependentes de nossa razão.

Yuki Sabanay disse...

A turbulência da chuva é a unica certeza que temos. E as vezes, acreditar que ela vai passar é que machuca.
Prefiro sempre clareza de uma tempestade.

Bárbara disse...

“...Que fazes você (...)"
o mais correto seria "que faz você" ou que fazes tu"
haeueaheu

a previsão é de muita chuva para os próximos meses!