sábado, 11 de outubro de 2008

Chapeuzinho e o Resto da História...

EUGÊNIO SALLES:
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...Andando pela rua a alguns dias atrás, me deparei com um velho de barba e cabelos compridos, era maltrajado e pedia esmolas na esquina do Café Solpanos, o velho reunia um pequena multidão ao seu redor, anunciando em um cartaz na parede, que sabia ele do paradeiro de Chapeuzinho Vermelho. Achei interessante saber da mocinha que havia sido parte de minha infância. Pensei que pudesse escutar o velho de galochas por uns instantes...
Ele dizia que teria se encontrado com Chapeuzinho Vermelho a poucos dias e ela havia lhe contado a seguinte história...
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“...Sempre que se lembrava do conto de fadas que tivera sido sua infância, Chapeuzinho Vermelho sofria no silêncio toda sua saudade. Lembrava de todos os detalhes do dia em que saiu de casa sob as recomendações de sua mamãe em direção a casa da vovó, como havia sido perseguida pelo lobo-mau e salva pelo caçador. Não imaginava como e de que maneira, sua feliz infância, pudera se transformar numa incansável rotina de dificuldades.
Os anos tinham se passado e chapeuzinho já se encontrava adolescente, e a muito tempo havia se esquecido da felicidade que tinha ao visitar a Vovó com sua cesta de alimentos.
Chapeuzinho Vermelho tinha se mudado da floresta junto de sua mamãe logo após o ocorrido com o malvado Lobo. A mamãe dizia que era necessário buscar no aconchego e na segurança da cidade, a tranqüilidade para viverem em paz e longe de maiores perigos.
A floresta esbelta e infinita em sua magnífica diversidade, a muito tempo tinha desaparecido, e hoje, sua antiga e fértil terra servia como lucrativo negócio de reflorestamento.
Nunca mais teve noticias de seus amiguinhos animais. Teria descoberto que muitos deles haviam sucumbido a necessidade de sobrevivência e trabalhavam em diversos lugares: no zoológico da cidade, como puxadores de carroças, como fornecedores de leite, passarinhos de gaiolas, peixes de aquários, cachorros confidentes, gatos empresários... e muitas outras profissões que atingiam os mais diversos setores da sociedade.
A vovó a muitos anos tinha falecido, não sem antes labutar durante tempos na fila do SUS, na espera por um transplante de fígado. Sim, disse fígado, pois poucos sabem, mas logo após o ocorrido com o Lobo-Mau, Vovó se tornara alcoólatra. Sofria baixinho por ver destruído, na maldita manha de flores, pela intromissão de sua netinha e o velho caçador, seu antigo e prazeroso romance as escondidas com o velho Lobo, e tinha encontrado na bebida a reposta para sua inefável dor de amor.
Segundo informações o caçador teria sido obrigado a trocar de profissão, primeiro porque a floresta e os animais haviam desaparecido, e segundo porque ele teve de entregar sua arma ao Estado em troca de míseros tostões. As ultimas noticias que Chapeuzinho Vermelho tinha obtido do caçador, davam conta de que ele teria virado vendedor ambulante e sobrevivia pelas vendas de DVD´s e CD´s piratas no centro da capital paulista. A noite, o antigo caçador, oferecia serviços de guarda particular para auxiliar em suas despesas.
A mãe de Chapeuzinho estava aposentada e estava se sutentando aos custos do salário mínimo que era oferecido pelo governo. Morava na periferia e continuava a fabricar costuras, remendar calças, pregar botões e pequenos concertos que lhe dessem certo lucrinho.
Chapeuzinho Vermelho trabalhava em uma loja de eletrodomésticos, uma famosa loja de preços lá em baixo em todo dia seguinte. Chapeuzinho Vermelho mal tivera conseguido se formar no ensino médio e sua esperada cadeira no ensino superior ainda a aguardava, ou não. Nunca teve namorado ou qualquer encontro com o famoso príncipe da outra história de fadas vizinha a sua. Buscou beijar alguns sapos na esperança do milagre, mas percebia que o feitiço era bravo e desistiu da utopia amorosa. Seu salário era baixo e o pior de tudo isso era perceber ele menor ainda ao fim de cada mês com todos os descontos sobre os desconhecidos benefícios. Os trajes vermelhos a muito tempo havia deixado de usar, pois, seguindo conselhos de sua mamãe, achava melhor não ser confundida com eses malditos comunistas de trajes arrojados e sua identificação vermelha. Dizia sua Mamãe que isso poderia atrapalhar em sua “carreira profissional”.
E assim a história de Chapeuzinho continuava a existir, não com todo luxo e requintes do conto inicial, mas sim, numa dura e cruel continuação em forma de realidade. Chapeuzinho não pensem vocês, havia desanimado, acreditava ela em um nova historinha ensinada por sua mamãe, dizendo que um dia ela poderia ser feliz, ganhando na mega-sena ou participando de um reality-show da TV de novelas que ela tanto adorava. Sentia que poderia mudar de vida e continuava a acreditar no sonho de criança de ver maravilhas e doces caindo dos céus, de poder constituir família, morar num bairro nobre e viajar pelo mundo.
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O velho de galochas encerou sua história e voltou a sentar no chão onde estava quando o avistei do inicio, recebia com bondade e agradecimento as moedas que as pessoas lhe deixavam. So depois fui perceber que aquele senhor de barbas e cabelos compridos, era o velho Lobo-Mau sobrevivendo as custas do passado...
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(Voltaremos....)

5 comentários:

Anônimo disse...

Impressionante a historia!

Parabéns mesmo, fico otimo..
Beijão
..Srtª
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Anônimo disse...

Interessante... A dura e cruel realidade. Devem haver muito mais histórias interminadas talvez de gatas borralheiras, de belas e feras...

gostei :)

beijo, beijo

Luck Siqueira disse...

Muito bom mesmo!!!
Deveria expor os outros contos de fadas nos dias atuais. Seria um bom livro!

Abraços!

Jean Matheo Piccini Lago disse...

Exatamente dr. fetter!
Realmente muito boa.
Concordo com o luck, seria um bom livro.
oasheioasheioashoie
A vida não se torna um conto de fadas, mas o conto de fadas transforma-se na vida.
Existem muitas Chapeuzinho vermelho por ai, muitas vovós e muitos lobo-maus. É dura, é cruel, mas, infelizmente, é nossa.

Unknown disse...

pra David Coimbra ainda falta um longo caminho a ser percorrido, jovem padawan. hehehehe