quinta-feira, 2 de outubro de 2008

A Chuva...

EUGÊNIO SALLES:
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Como era difícil pra ela entender das coisas que aconteciam ao seu redor... a vida terrena tão pouco se modificava e a vida suprema tão pouco lhe convencia...
Conheci ela no inverno de 1987, era jovem e bela, tinha o andar detalhado de quem sabia a estrada desejada e me deixou um olhar que talvez jamais encontrei em outro alguém. Eu nada tinha a perder naquela tarde chuvosa, resolvi andar de chinelos e bermudas pra tirar das costas o peso de minha rotina e sentir na pele o vento frio que soprava. Quando percebi estava eu sentado em no banco da rua Odorico, próxima ao edifício onde morava. Pensava em tudo que me trazia até ali, e sobre tudo que ainda desejava buscar. Talvez por dentro me sentisse triste por achar que tinha deixado de lado grande parte de meus sonhos e planos da juventude, mas tinha a certeza de que de nada adiantava minhas queixas se elas irremediáveis ali seriam.
A chuva aumentava de intensidade conforme o passar dos minutos e eu que sempre achei a dança da água magnífica, pouco me importava com o mundo ao meu redor.
Foi derepente que do meu lado sentou-se uma moça de tamanho robusto, trajes negros e compridos com um gorro na cabeça. Estava toda encharcada com a água da chuva e não se importou muito com minha presença. Ficamos estáticos por algum tempo, sem dizer nada um ao outro, o silêncio foi nosso cumprimento. Pensava comigo que talvez devesse tomar a atitude de iniciar uma conversa ou ao menos lhe oferecer o guarda-chuva. Não foi necessário, ela se abraçou em meu corpo e disse que pensava em demasia na água, como via nela a fortificação de uma tempestade e simplicidade de uma gota. Eu não conseguia lhe ofertar nada em palavras muito menos em atitudes, deixava a falar e me sentia feliz ao ver seu pleno prazer em se comunicar com um velho sentado sozinho numa rua deserta numa tarde de quinta-feira. Sem demoras me contou de toda sua vida e de todos seus amores, estudos e empregos, todas suas batalhas, decepções e covardias. Me falou de seus pais, e dos irmãos que a muito tempo não via, me disse de seus anseios e de tudo que lhe magoava.
Pensava em suas palavras e de como aquilo era importante para ela e de como seria mais ainda para mim. Imaginei ser aquele o momento que a tanto tempo buscava dentro de meus sonhos, o momento de dizer de tudo que em mim trazia, e ali com ela compartilhar, talvez algum bem me faria...
Num estalo de coragem levantei meus olhos e fixo no olhar dela perguntei:
“...Que fazes você com seus sentimentos dizendo-os ao vento e na chuva, transformados em palavras e dirigidas a um velho?”
Ela sorriu, e me disse:
“...O segredo da chuva é pensar que quando ela passar tudo se renovará, tudo pode nascer novo e os sonhos dela brotar. Velho em seu olhar o senhor nada tem, deixe que com a chuva se vá todos seus problemas ou desdém, deixe que com a chuva se vá aquilo senhor, que a muito tempo não lhe faz bem... Tinha de lhe dizer das dores que carregava, daquilo que por dentro me magoava, das saudades que a muito tempo carregava, dos planos que a muito tempo não sonhava. Eu precisava na chuva, senhor, sair de alma lavada...”

Não tive tempo de dizer mais nada, ela se levantou e nem ao menos me disse adeus, me deixou um olhar que nunca mais encontrei, me deixou a lembrança que pelo resto de meus dias imaginei, me deixou um momento que jamais esquecerei...
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__( Voltaremos..)
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5 comentários:

Jean Matheo Piccini Lago disse...

Amigo, muito bom.
Muito bom mesmo.
Acho que está faltando para mim essa chuva que faz lavar a alma.

Anônimo disse...

Muito Bom mesmo..

queria sabe quem é ela!

Gabriel Bedin Slevinski disse...

queria saber quem é o anonimo...

Anônimo disse...

aaa Srtª..

Anônimo disse...

Muito bom... lá no alto observando tudo... Nem sei se de alguma forma poderia se dizer que estavas fujindo de tudo aquilo nem que estavas deixando de ser um dos escravos do tempo que estavam lá embaixo... Sendo apenas você, sem ser necessário entender o porque nem como.